terça-feira, 6 de novembro de 2012

"Quem quiser vir após Mim, renuncie a si mesmo". Comentário feito por Sto. Agostinho (354-430)


Neste mundo, quer dizer, na Igreja, que toda ela segue Cristo, Este diz a todos: "Quem quiser vir após Mim, renuncie a si mesmo". Porque esta ordem não se destina às virgens, com exclusão das mulheres casadas; às viúvas, com exclusão das esposas; aos monges, com exclusão dos esposos; aos clérigos, com exclusão dos laicos. É toda a Igreja, todo o Corpo de Cristo, todos os seus membros, diferenciados e repartidos segundo as suas tarefas próprias, que deve seguir Cristo. Que toda ela O siga, ela que é única, ela que é a pomba, ela que é a esposa (Ct 6, 9); que ela O siga, ela que foi resgatada e enriquecida com o sangue do Esposo. A pureza das virgens tem aqui o seu lugar; a continência das viúvas tem aqui o seu lugar; a castidade conjugal tem aqui o seu lugar. [...] Que sigam Cristo, estes membros que têm o seu lugar, cada um segundo a sua categoria, cada um segundo a sua classificação, cada um à sua maneira. Que renunciem a si mesmos, quer dizer, que não se apoiem em si próprios; que levem a sua cruz, quer dizer, que suportem no mundo, por Cristo, tudo o que o mundo lhes infligir. Que O amem, a Ele, o Único que não desilude, o Único que não está enganado, o Único que não Se engana. Que O amem porque o que Ele promete é verdadeiro. Mas, porque Ele não o dá agora, a fé vacila; pois continua, persevera, suporta, aceita o atraso, e terás levado a tua cruz. 

sábado, 3 de novembro de 2012

Esta dor, ó Minha querida filha!


Maria falando ao Coração das Donzelas por Abade A. Bayle, 1917

I. Tu, Minha filha, tens considerado até ao presente as dores do Meu divino Filho, mas não deixes de lançar um olhar para aquelas que Eu tive de sofrer nesses terríveis momentos. Só uma mãe pode apreciar a grandeza delas e dizer se não eram infinitamente cruéis. Era Mãe desse Filho que, concebido pela operação do Espírito Santo, era todo o Meu amor, a Minha vida, em quem tudo era amável, afetuoso, imaculado. O Seu olhar, a Sua esperança, eram a Minha felicidade.

Era Mãe, e Mãe dum Filho que era Deus, que Se tinha encarnado em Meu seio virginal para salvar todos os homens da escravidão do inferno, dum Filho consubstancial ao Pai, que criou juntamente com Ele, que rege e governa com Ele o mundo inteiro, dum Filho que tinha realizado as esperanças dos patriarcas e as predições dos profetas. Mas este Filho adorado pelos anjos, saudado pelos astros, obedecido por todas as coisas visíveis e invisíveis, devia Eu vê-lO, vítima dos mais afrontosos tormentos e dos mais vergonhosos ultrajes. Como Ele não tinha querido encarnar-Se em Mim sem o Meu consentimento também não quis sofrer sem o Meu consentimento a Sua dolorosa paixão.

A Minha hora é chegada, ó Minha Mãe, Me disse Ele: a traição de Judas, as cordas, as cadeias, os escarros, as bofetadas, a flagelação, a coroa de espinhos, a cruz, o Calvário, esperam-Me. Devo cumprir a obra da Redenção. Podes tu imaginar um momento mais terrível! Bem sabia Eu que uma espada devia atravessar-Me o coração; disse-Me Simeão, quando apresentei no templo o Meu divino Filho; mas quando vi chegar esse momento, não teria podido suportar a Minha dor, se a força divina Me não tivesse amparado. Eu, Mãe dum Filho, vê-lO ser submetido aos mais horríveis tormentos que a barbaridade humana tinha podido inventar! Quem podia consolar-Me?

II. Não te narrarei quanto o Meu coração foi despedaçado sabendo e vendo Jesus atado, arrastado por cordas de um tribunal ao outro, espancado por milhares de vezes, exposto ao povo como objeto: de desprezo, a cabeça magoada por uma coroa de Espinhos, vestido com um farrapo de púrpura, uma cana na mão à maneira de cetro, para entregá-lO ao escárnio da populaça! Não te contarei as Minhas dores quando O vi carregado com a cruz subir ao Calvário sem que me fosse permitido ajudá-lO. Pára unicamente coMigo aos pés da cruz.

Muitas mães têm tido seus filhos cruelmente assassinados, mas não tiveram a dor de assistir ao seu suplício; esta dor suprema estava reservada para o Meu amor. Jesus devia beber o cálice de amargura, e Eu mesma bebi dele uma parte.

Houve dois sacrifícios, um do Filho, outro da Mãe. Tive de assistir a esse terrível espetáculo, ver os membros puríssimos do Meu divino Filho pregados sobre Cruz. Vi Meu filho sobre a Cruz pedindo socorro a Seu Pai, que não Lhe dava atenção, e não poder Eu mesma socorrê-lO. Pedia de beber, queria saciar-Lhe a sede, mas não podia: tinha de vê-lO beber fel e vinagre.

Ah! Minha filha, posso apenas exprimir-te quanto o Meu coração foi despedaçado nesse momento. Dois altares foram erigidos sobre o Calvário, e dois sacrifícios de dor foram aí oferecidos: um sobre a Cruz; outro em Meu coração. Jesus não carecia dos Meus merecimentos para resgatar o mundo; Eu mesma devia pertencer ao número das remidas, devia ser a primeira. Mas não tinha sido só o homem a perder o mundo pelo pecado, a mulher tinha tido nisso grande parte, por isso o Deus Todo-Poderoso quis que não fosse só Jesus o único a remir o mundo e que unisse os Meus merecimentos aos do Meu Filho, tudo o que alcançavam os Meus merecimentos de conveniências a tudo o que obtinham os merecimentos absolutos e perfeitos da Sua paixão e da Sua morte.

III. Mas não acabaram ali as Minhas dores, ó Minha filha. Todo o ódio e toda a crueldade para os condenados, culpados dos maiores crimes, acaba logo que morrem. Mesmo eles tornavam-se então objeto duma compaixão involuntária. Mas ai! não houve piedade alguma para com Meu divino Filho. Tinha exalado o último suspiro depois de ter pedido a Seu Pai que perdoasse aos Seus algozes, mas a Sua cólera contra este inocente não estava inteiramente satisfeita; vem um soldado furioso que envia uma lançada a Jesus rasga-Lhe o lado e atravessa-Lhe o coração. Fui ainda testemunha dessa ferida, e esse golpe terrível penetrou no Meu Coração ao mesmo tempo que no Seu; que digo Eu? - toda a violência da dor recaiu sobre Mim, porque Jesus estava morto. Uma única coisa podia consolar-Me, era o pensamento de que tudo se cumpriu para salvação do mundo.

Era para a salvação do mundo que o Meu divino Filho devia morrer e verter até á ultima gota do Seu sangue. Mas essa consolação trocava-se em dor, locupletava-a mesmo. Pensava que para muitas almas esse sangue se derramava em vão que seria para muitos uma causa de condenação mais terrível em lugar de ser uma causa de salvação.

Ó dor! se tens um coração sensível, Minha filha, compreende a Minha situação.

Resignei-Me ao desejo do Eterno que Me pedia Meu Filho para holocausto e vítima de expiação.

Não havia outro meio. Ou o mundo devia ser eternamente desgraçado ou Jesus devia morrer. - Que a Vossa vontade seja feita, disse Eu ao Pai celeste e curvei a cabeça diante dos decretos eternos do céu. Assisti à dolorosa Paixão, vi derramar todo esse sangue que para muitos devia correr inutilmente conforme o compreendi no Calvário mesmo. Alguns rasgavam o peito e pediam perdão, outros obstinavam-se na sua cegueira. E Eu, desgraçada Mãe, via o Meu Filho morto para todos os homens e não os salvando a todos! Ouvia a Sua voz que dizia: - Salvei-os, tudo está consumado, - e Eu via muitos sem cuidado algum na Sua redenção. Esta dor, ó Minha querida filha, tortura o Meu coração mais que todas as dores as mais amargas.

Ora, este desprezo que Me magoou excessivamente, quantos agora são dele culpados! Quantos por vãos prazeres e para seguir as suas paixões tornam inútil o sangue vertido para a sua salvação! E tu, Minha filha, quererás também desprezar um tão grande beneficio! quererás infligir-Me a dor de te ver eternamente perdida! tem piedade da tua alma e de Mim.

Afetos. Ó minha Mãe das dores, ó Mãe de misericórdia, ó Maria, tenho aumentado os meus sofrimentos multiplicando os meus pecados. Ao pé da cruz sentíeis uma dor mais viva pensando que muitos desprezariam esse sangue que víeis correr com tanta abundância das chagas do Vosso divino Filho. E eu, ah! bem o compreendo, até ao presente tenho tido a desgraça de ser do número desses infelizes! Tenho sido até ao presente um desses cruéis algozes que não tem sentido arrependimento algum pela morte de Jesus.

Mas Vós tendes tocado o meu coração, ó querida Mãe. Um raio de luz desceu sobre mim. Quero ser do número daqueles que desciam do Calvário despedaçando o peito e pedindo misericórdia. Tende piedade de mim, Vossa miserável filha, que tenho ficado tão cruelmente insensível às Vossas dores, que não tenho feito senão aumentá-las. Ao pé da cruz Vós chorastes por mim também. Mas de que me serviriam os Vossos choros se ficasse imóvel nos mesmos desvarios? Sou feliz por ter podido, graças a Vós, conhecer a minha cegueira e a necessidade que tenho de chorar as minhas culpas e corrigir-me delas! Chorá-las-ei até ao fim da vida e acautelar-me-ei de cometê-las ainda de futuro.

Vós tendes-me ensinado a aproveitar-me do beneficio da redenção, e com o Vosso auxilio, enquanto viver, não mais o desprezarei. Assim seja!

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O Purgatório por Santa Catarina


Alguns trechos essenciais do "Tratado do Purgatório"
 de Santa Catarina de Gênova.

Via com os olhos da alma e compreendia a condição dos fiéis no Purgatório, eram ali para purificar-se antes de serem apresentados diante de Deus, no Paraíso.

A ferrugem do pecado é o impedimento e o fogo vai consumindo a ferrugem e assim a alma com o passar do tempo vai descobrindo o divino influxo...

Assim a ferrugem (isto é, o pecado) é a cobertura das almas e no Purgatório se vai consumindo pelo fogo e quanto mais consome, mais se corresponde ao verdadeiro sol, Deus. Porém cresce a alegria enquanto diminui a ferrugem e se descobre a alma ao divino raio. E assim um cresce e o outro diminui, até que seja terminado o tempo.

A pena existe, mas somente o tempo de estar nessa pena. E quanto à vontade, não posso dizer que aquelas sejam penas, porque são contentes pela ordem dada por Deus, com a qual é unida a vontade deles na pura caridade.

Têm uma pena tão extrema que não se encontra língua que possa narrar, nem intelecto que possa entender uma mínima cintila, se Deus não lhe mostrasse por graça especial.

Nasce neles um extremo fogo, parecido com aquele do inferno, exceto a culpa, a qual è aquela que faz a vontade maligna aos danados do Inferno, aos quais Deus não corresponde a sua bondade e por isso restam naquela desesperada, maligna vontade contra a vontade de Deus.

Oh! Quanto é perigoso o pecado feito com malicia: porque o homem dificilmente se arrepende e não arrependendo-se, sempre está na culpa, a qual persevera quanto o homem está na vontade do pecado cometido ou a ser cometido!

De quanta importância seja o Purgatório, nem a língua o pode exprimir, nem mente entender, somente que vejo tantas penas como no Inferno e vejo a alma a qual em si sente uma mínima mancha de imperfeição, recebê-lo por misericórdia (como se disse), não fazendo em um certo modo estima, em comparação daquela mancha que impede o seu amor.

Quando a alma, por interior vista, vê-se aproximada a Deus com tanto amoroso fogo, aí por aquele calor do amor do seu doce Senhor e Deus, que sente rebombar na sua mente, tudo se liquefaz.

Vendo a luz divina e como Deus não cessa de aproximá-la dEle e amorosamente a conduz à inteirar sua perfeição, com tanta cura e contínua provisão e que o faz somente por puro amor.

Vejo ainda proceder daquele divino amor à alma certos raios e lampos, tão penetrantes e fortes, que parecem que devem abater não somente o corpo, mas ainda a alma se fosse possível.

Esses raios fazem duas operações: com a primeira purificam; com a segunda, abatem.

Saiba que aquilo que o homem pensa que em si é perfeição, perante Deus, é defeito: portanto tudo aquilo que tem aparência de perfeição, como as vê, as escuta, as entende, as quer, ou seja, tem uma memória, sem o reconhecimento de Deus, tudo se contamina e se suja.

E’ verdade que o amor de Deus, o qual é abundante na alma (segundo aquilo que vejo) dá uma alegria tão grande, que não se pode exprimir, mas essa alegria às almas que estão no Purgatório  não cancela nem uma cintila de pena deles.

Isto é, aquele amor é que faz a pena deles e quanto maior a pena quanto maior a perfeição do amor o qual Deus lhes dá.

Me vem vontade de gritar, um grito forte, que amedrontasse todos os homens que estão na face da terra e dizer: Oh míseros, porque vos deixais corromper por este mundo, que não vos dá nada e que na hora da vossa morte, o que vos concederá?

Todos estão cobertos pela esperança da misericórdia de Deus, a qual dizeis ser tão grande, mas não vedes que tanta bondade de Deus vos será em juízo, por ter feito contra a vontade de um tão bom Senhor?

Não ter confiança dizendo: Eu me confessarei e depois terei a Indulgência Plenária e serei naquele ponto purgado de todos os meus pecados e assim serei salvo.

Pensa que a confissão e contrição a qual precisa para essa Indulgência Plenária é muito difícil de conseguir, que se tu o soubesses, tremerias de tanto medo e serias mais certo de não tê-la que de poder conseguir.

Imagem: CARRACCI, Lodovico “An Angel Frees the Souls of Purgatory”

domingo, 23 de setembro de 2012

23 de Setembro-São Pio de Pietrelcina


Sou todo de todos. E cada um pode afirmar: "Padre Pio é meu". Amo muito os meus irmãos de exílio. Amo os meus filhos espirituais como à minha própria alma e até mais. Reconciliei-os com Jesus, regenerei-os na dor e no amor. Posso esquecer-me de mim mesmo, mas nunca dos meus filhos espirituais. Pelo contrário; asseguro que, quando o Senhor me chamar deste mundo, eu lhe direi: "Senhor, ficarei à porta do Paraíso; entrarei depois de  ver entrar o último dos meus filhos espirituais". Sofro muito por não poder levar todos os meus irmãos para Deus. Em certo momentos, fico a ponto de morrer, com o aperto que sinto no coração, ao ver  tantas almas sofredoras, sem poder aliviá-las, e tanto irmãos aliados com Satanás.

São Pio de Pietrelcina

domingo, 9 de setembro de 2012

Assim a árvore produziu seu fruto e Adão foi salvo e reviveu.

Alguns autores contam que Adão, adoecendo, enviou seu filho Set a procurar-lhe um remédio. Set, aproximando-se do paraíso, contou ao anjo que seu pai estava à morte. O anjo cortou um ramo daquela árvore, de cujo fruto Adão comera, deu-o a Set, dizendo: Quando este ramo der fruto, seu pai estará são. Isto, aliás, transparece num prefácio da Missa, quando se diz: "para que a vida ressurgisse de onde a morte viera". Set, porém, ao voltar encontrou Adão morto e sepultado Plantou o ramo à cabeceira da sepultura. Oramo cresceu e tornou-se uma grande árvore. Dizem até que a ranha de Sabá, ao visitar Salomão, encantou-se com a grandiosidade da árvore. Voltando á sua pátria, teria escrito uma carta a Salomão e teria dito que tivera um pressentimento ao ver a grande árvore: alguém enforcado nela e por conta desse enforcamento, os judeus perderiam a liberdade e a pátria. Salomão então, teria cortado a árvore e a teria enterrado e sobre ela construído uma piscina. Com o tempo o tronco teria vindo à superfície. Na sexta-feira santa, quando os soldados procuraram um tronco para pregar Jesus de Nazaré, encontraram justamente este e o puseram às costas de Jesus. Nele crucificaram o Senhor. assim a árvore produziu seu fruto e Adão foi salvo e reviveu.

Santo Antônio de Pádua

sábado, 8 de setembro de 2012

Da Natividade de Maria

A grandeza da santidade de Maria provém das graças abundantes com que Deus a enriqueceu desde o princípio, e da sua admirável correspondência às mesmas.  

O nascimento de um filho é considerado dia de festa para  a família. Entretanto haveria antes motivo para  lamento e pranto, considerando que a criança nasce não só privada de méritos e de razão, como ainda manchada pela culpa e sujeita, como filha da cólera divina, ás misérias e a morte. O nascimento de Maria, sim, é justo seja celebrado com festas e louvores universais. Pois a Virgem viu a luz do mundo, criança na idade, porém grande em merecimentos e virtudes. Todavia para compreendermos o grau de santidade com que nasceu, precisamos considerar primeiramente a grandeza da graça com que Deus a enriqueceu; em segundo lugar, quanto foi grande a fidelidade de Maria em corresponde a essa graça.


PONTO PRIMEIROA primeira graça em Maria excede em grandeza à graça de todos os anjos e santos.
1, Testemunho dos teólogos
Inegavelmente foi a alma de Maria a mais bela que Deus criou. Depois da Encarnação do Verbo  foi esta a obra mais formosa e mais digna de si, feita pelo Onipotente deste mundo.Uma maravilha enfim que só é excedida pelo próprio criador, como diz Nicolau, monge. Por isso não desceu graça em Maria, gota a gota como nos outros santos. Desceu, ao contrário, tal como " a chuva sobre à lã do velo, sorveu a Virgem com alegria toda toda a grande chuva de graça sem perder uma gota.

Era-lhe, pois lícito exclamar: Na plenitude dos santos está minha morada ( Eclo 24, 16). Isto significa, conforme a explicação de São Boaventura: Possuo em sua plenitude o que só em parte possuem os outros santos. E São Vicente Ferrer, referindo-se particularmente à santidade de Maria, antes de seu nascimento, diz que excedeu a de todos os anjos e santos. 

A graça que adornou a Santíssima Virgem sobrepujou não só a de cada um em particular, mas a de todos os santos reunidos, como prova o doutíssimo Padre Francisco Pepe, jesuíta, em sua bela obra das Grandezas de Jesus e Maria. Nela afirma que essa tão gloriosa opinião para nossa Rainha é  hoje em dia comum e certa entre os teólogos modernos,como Cartagena, Suárez, Spinelli, Recupito, Guerra e outros. Todos examinaram a questão ex-professo, coisa que não haviam feito os doutores antigos. Conta Pepe que a Mãe de Deus agradeceu a Suárez, por meio do padre Gutiérrez, por  haver defendido com tanto valor essa probabilíssima sentença. Em seu Devoto de Maria atesta Ségneri que essa proposição é sustentada pela comum opinião da escola de Salamanca.  Ora, se esta é comum e certa, muito é provável é também esta outra sentença: Maria, desde o primeiro instante de sua Conceição Imaculada, recebeu uma graça superior à de todos os anjos e santos juntos. Suárez defende-a com energia, sendo nisso acompanhado por Spinelli, Recupito e Colombière.

2. Há ainda duas grandes e convenientes razões a favor desta sentença, além da autoridade dos teólogos acima citados. 

Primeiro Motivo:
A eleição de Maria para a Mãe do  Divino Verbo.

Escreve São Dionísio Cartusiano: Por causa desta predestinação foi Maria elevada a sua ordem superior a de todas as criaturas. Pois, segundo Suárez, de certo modo a dignidade de mãe de Deus pertence á ordem de união hipostática, isto é, a união do Verbo Divino com a natureza humana. Com razão por isso, desde o princípio de sua vida, lhe foram conferidos dons de ordem superior, os quais incomparavelmente excedem a quantos foram concedidos ás demais criaturas. Com efeito, não se pode por em dúvida que, simultaneamente com o decreto divino da Encarnação, ao Verbo de Deus foi também destinada á Mãe da qual devia tomar o ser humano. E essa foi Maria. Ora, São Tomás ensina que a cada um dá Novo Testamento (2 Cor3, 6)Diz isso com ele que os apóstolos receberam de Deus dons proporcionados aos grandes ofícios para que foram escolhidos. Sobre isso assim se eterna São Bernardino de Sena: Quando alguém é eleito por Deus para um cargo , recebe não só as disposições necessária, mas ainda os dons preciosos para exercê-lo dignamente.  Ora, em visto da escolha de Maria para a Mãe de Deus, convinha certamente que o Senhor, desde o primeiro instante, a adornasse com uma graça imensa, superior em grau à de todos os outros homens e anjos. Por tal graça  tinha de corresponder  á imensa e altíssima dignidade, á qual o Senhor a elevara. Assim concluem todos os teólogos com S. Tomás. A Santíssima Virgem, diz este, foi escolhida para ser a Mãe de Deus e para tanto o Altíssimo capacitou-a certamente com sua graça. Antes de ser Mãe, foi Maria, por conseguinte , adornada de uma santidade tão perfeita, que a pôs  à altura desta grande dignidade.

Já em outra passagem da Suma Teológica, havia dito o Doutor Angélico que Maria é chamada  "cheia de graça", mas não tanto por causa da graça propriamente, porque a não possuía na suma excelência possível. Também em Jesus Cristo, diz o Santo, a graça habitual não foi suma, isto é, de tal forma que o poder divino a não tivesse podido fazer maior em absoluto.  Foi entretanto suficiente e correspondente  ao fim para a qual a Divina Sabedoria  a predestinara, digo para a união da santa Humanidade com a Pessoa do Verbo. Disso a razão no-la dá o mesmo doutor: "Tão grande é o poder divino, que por mais que conceda, sempre lhe resta a dar. Por si só é a criatura divina muito limitada em sua natural receptividade , e ao mesmo tempo capaz de ser inteiramente cumulada. Entretanto é sem limites a sua faculdade de obediência à divina vontade, podendo Deus aumentar-lhe a receptividade e acumulá-la de graças."

PONTO SEGUNDO: A grande fidelidade na pronta cooperação com a graça.
1. Maria teve o uso da razão desde a primeiro instante da sua Imaculada Conceição Ao mesmo tempo que  a santa menina recebia no seio de Santa Ana a graça santificante, era-lhe dado também o perfeito uso da razão. A ele se uniu uma grande luz divina, correspondente á graça com que fora enriquecida. O exposto aqui não é já uma opinião isolada, mas um parecer universal, na frase do venerável autor La Colombière. Por conseguinte bem podemos crer que, desde o primeiro instante da união da sua bela alma ao seu corpo puríssimo, foi Maria iluminada com as luzes da divina sabedoria, para bem conhecer as verdades eternas, a beleza das virtudes e sobretudo a bondade de seu Criador e os direitos dele aos afetos do coração, e ao seu em particular. Eram disso razões os singulares dons com que ele a adornou e distinguiu entre todas as criaturas. Pois não a preservara da culpa original? Não lhe dera tão imensa graça?Não a destinara para a Mãe do Verbo e Rainha do Universo.

2. Maria esteve libre de toda inclinação desordenada e de toda distração
Gratíssima ao seu Deus a partir deste primeiro instante, empenhou-se a Virgem e aproveitar fielmente aquele grande cabedal de graças de que era senhora. Aplicou-se toda em amar a Divina Bondade. Desde então amou a Deus com todas as suas forças e continuou amando com os nove meses anteriores a seu  nascimento. Não cessou, com efeito,um só momento  de unir-se a Deus cada vez mais, , com ferventes atos de amor. Estava livre não só da culpa original, mas de todo movimento desordenado, de toda distração, de toda rebelião dos sentidos, de tudo enfim que lhe pudesse impedir o adiamento no divino amor. Todos os seus sentidos estavam igualmente de acordo com seu bendito espírito na tendência para Deus. Por isso, desvencilhada de todo impedimento, voava-lhe a formosa alma para Deus, incessantemente. Amava-o sempre,e cada vez mais crescia em seu amor. É esta a razão por que  Maria diz de si mesma: Eu cresci para o alto como um plátano junto à água ( Eclo 24-19). Planta nobilíssima de Deus, ela cresceu sempre junto a corrente das graças divinas. Também se compara á vinha: Eu, como a vide, lancei flores de um agradável olor( Eclo 24, 23). Fá-lo não só  por ter sido humilde aos olhos do mundo, mas porque era constante seu crescimento em perfeição. Diz um provérbio latino: A vide cresce sem fim. As outras árvores, laranjeira, a amoreira, a pereira, têm uma altura determinada, enquanto a vide cresce continuamente até atingir a altura da árvore  á qual se encosta. Assim também a Santíssima Virgem cresceu incessantemente em perfeição.

Eis o motivo por que, sob o nome de Gregório Taumaturgo, escreveu certo autor. Eu te saúdo, ó Maria, videira que não cessa de crescer. Conservou-se ela unida sempre a Deus, seu único apoio, e por isso pergunta o Espírito Santo nos Cânticos dos Cânticos: Quem é esta que sobe do deserto, inundando delícias, e firmada sobre o seu Amado? (8, 5) . Segundo S. Ambrósio, quer isso dizer:Quem é esta que unida ao Verbo Divino, cresce como a videira apoiada numa grande árvore?

3. Maria foi fiel à graça divina.
Dizem muitos e graves teólogos  que uma alma virtuosa produz um ato de virtude, em intensidade igual ao hábito que possui, cada vez que corresponde às graças atuais que de Deus recebe. Adquire assim, vez por vez, um novo e duplo merecimento que é igual à totalidade de todos os ,méritos adquiridos até então. Esse aumento, dizem eles foi concedido aos anjos durante o tempo de sua provação. Ora, se os anjos possuíam semelhante graça, quem ousará sonegá-la á Divina Mãe, enquanto viveu na terra, principalmente no mencionado tempo de existência no ventre materno, no qual foi certamente mais fiel que os anjos, em correspondente graça? Durante ele duplicou a cada momento aquela graça sublime que possuía desde o começo. Pois, correspondendo-lhe com todas as forças e perfeitamente , duplicava por conseguinte, seus méritos a cada ato  que fazia, em todo instante. Só por aí podemos avaliar que tesouros de graça, de merecimentos e  de santidade, trouxe Maria ao mundo, quando nasceu.

Santo Afonso Maria de Ligório