sábado, 8 de setembro de 2012

Da Natividade de Maria

A grandeza da santidade de Maria provém das graças abundantes com que Deus a enriqueceu desde o princípio, e da sua admirável correspondência às mesmas.  

O nascimento de um filho é considerado dia de festa para  a família. Entretanto haveria antes motivo para  lamento e pranto, considerando que a criança nasce não só privada de méritos e de razão, como ainda manchada pela culpa e sujeita, como filha da cólera divina, ás misérias e a morte. O nascimento de Maria, sim, é justo seja celebrado com festas e louvores universais. Pois a Virgem viu a luz do mundo, criança na idade, porém grande em merecimentos e virtudes. Todavia para compreendermos o grau de santidade com que nasceu, precisamos considerar primeiramente a grandeza da graça com que Deus a enriqueceu; em segundo lugar, quanto foi grande a fidelidade de Maria em corresponde a essa graça.


PONTO PRIMEIROA primeira graça em Maria excede em grandeza à graça de todos os anjos e santos.
1, Testemunho dos teólogos
Inegavelmente foi a alma de Maria a mais bela que Deus criou. Depois da Encarnação do Verbo  foi esta a obra mais formosa e mais digna de si, feita pelo Onipotente deste mundo.Uma maravilha enfim que só é excedida pelo próprio criador, como diz Nicolau, monge. Por isso não desceu graça em Maria, gota a gota como nos outros santos. Desceu, ao contrário, tal como " a chuva sobre à lã do velo, sorveu a Virgem com alegria toda toda a grande chuva de graça sem perder uma gota.

Era-lhe, pois lícito exclamar: Na plenitude dos santos está minha morada ( Eclo 24, 16). Isto significa, conforme a explicação de São Boaventura: Possuo em sua plenitude o que só em parte possuem os outros santos. E São Vicente Ferrer, referindo-se particularmente à santidade de Maria, antes de seu nascimento, diz que excedeu a de todos os anjos e santos. 

A graça que adornou a Santíssima Virgem sobrepujou não só a de cada um em particular, mas a de todos os santos reunidos, como prova o doutíssimo Padre Francisco Pepe, jesuíta, em sua bela obra das Grandezas de Jesus e Maria. Nela afirma que essa tão gloriosa opinião para nossa Rainha é  hoje em dia comum e certa entre os teólogos modernos,como Cartagena, Suárez, Spinelli, Recupito, Guerra e outros. Todos examinaram a questão ex-professo, coisa que não haviam feito os doutores antigos. Conta Pepe que a Mãe de Deus agradeceu a Suárez, por meio do padre Gutiérrez, por  haver defendido com tanto valor essa probabilíssima sentença. Em seu Devoto de Maria atesta Ségneri que essa proposição é sustentada pela comum opinião da escola de Salamanca.  Ora, se esta é comum e certa, muito é provável é também esta outra sentença: Maria, desde o primeiro instante de sua Conceição Imaculada, recebeu uma graça superior à de todos os anjos e santos juntos. Suárez defende-a com energia, sendo nisso acompanhado por Spinelli, Recupito e Colombière.

2. Há ainda duas grandes e convenientes razões a favor desta sentença, além da autoridade dos teólogos acima citados. 

Primeiro Motivo:
A eleição de Maria para a Mãe do  Divino Verbo.

Escreve São Dionísio Cartusiano: Por causa desta predestinação foi Maria elevada a sua ordem superior a de todas as criaturas. Pois, segundo Suárez, de certo modo a dignidade de mãe de Deus pertence á ordem de união hipostática, isto é, a união do Verbo Divino com a natureza humana. Com razão por isso, desde o princípio de sua vida, lhe foram conferidos dons de ordem superior, os quais incomparavelmente excedem a quantos foram concedidos ás demais criaturas. Com efeito, não se pode por em dúvida que, simultaneamente com o decreto divino da Encarnação, ao Verbo de Deus foi também destinada á Mãe da qual devia tomar o ser humano. E essa foi Maria. Ora, São Tomás ensina que a cada um dá Novo Testamento (2 Cor3, 6)Diz isso com ele que os apóstolos receberam de Deus dons proporcionados aos grandes ofícios para que foram escolhidos. Sobre isso assim se eterna São Bernardino de Sena: Quando alguém é eleito por Deus para um cargo , recebe não só as disposições necessária, mas ainda os dons preciosos para exercê-lo dignamente.  Ora, em visto da escolha de Maria para a Mãe de Deus, convinha certamente que o Senhor, desde o primeiro instante, a adornasse com uma graça imensa, superior em grau à de todos os outros homens e anjos. Por tal graça  tinha de corresponder  á imensa e altíssima dignidade, á qual o Senhor a elevara. Assim concluem todos os teólogos com S. Tomás. A Santíssima Virgem, diz este, foi escolhida para ser a Mãe de Deus e para tanto o Altíssimo capacitou-a certamente com sua graça. Antes de ser Mãe, foi Maria, por conseguinte , adornada de uma santidade tão perfeita, que a pôs  à altura desta grande dignidade.

Já em outra passagem da Suma Teológica, havia dito o Doutor Angélico que Maria é chamada  "cheia de graça", mas não tanto por causa da graça propriamente, porque a não possuía na suma excelência possível. Também em Jesus Cristo, diz o Santo, a graça habitual não foi suma, isto é, de tal forma que o poder divino a não tivesse podido fazer maior em absoluto.  Foi entretanto suficiente e correspondente  ao fim para a qual a Divina Sabedoria  a predestinara, digo para a união da santa Humanidade com a Pessoa do Verbo. Disso a razão no-la dá o mesmo doutor: "Tão grande é o poder divino, que por mais que conceda, sempre lhe resta a dar. Por si só é a criatura divina muito limitada em sua natural receptividade , e ao mesmo tempo capaz de ser inteiramente cumulada. Entretanto é sem limites a sua faculdade de obediência à divina vontade, podendo Deus aumentar-lhe a receptividade e acumulá-la de graças."

PONTO SEGUNDO: A grande fidelidade na pronta cooperação com a graça.
1. Maria teve o uso da razão desde a primeiro instante da sua Imaculada Conceição Ao mesmo tempo que  a santa menina recebia no seio de Santa Ana a graça santificante, era-lhe dado também o perfeito uso da razão. A ele se uniu uma grande luz divina, correspondente á graça com que fora enriquecida. O exposto aqui não é já uma opinião isolada, mas um parecer universal, na frase do venerável autor La Colombière. Por conseguinte bem podemos crer que, desde o primeiro instante da união da sua bela alma ao seu corpo puríssimo, foi Maria iluminada com as luzes da divina sabedoria, para bem conhecer as verdades eternas, a beleza das virtudes e sobretudo a bondade de seu Criador e os direitos dele aos afetos do coração, e ao seu em particular. Eram disso razões os singulares dons com que ele a adornou e distinguiu entre todas as criaturas. Pois não a preservara da culpa original? Não lhe dera tão imensa graça?Não a destinara para a Mãe do Verbo e Rainha do Universo.

2. Maria esteve libre de toda inclinação desordenada e de toda distração
Gratíssima ao seu Deus a partir deste primeiro instante, empenhou-se a Virgem e aproveitar fielmente aquele grande cabedal de graças de que era senhora. Aplicou-se toda em amar a Divina Bondade. Desde então amou a Deus com todas as suas forças e continuou amando com os nove meses anteriores a seu  nascimento. Não cessou, com efeito,um só momento  de unir-se a Deus cada vez mais, , com ferventes atos de amor. Estava livre não só da culpa original, mas de todo movimento desordenado, de toda distração, de toda rebelião dos sentidos, de tudo enfim que lhe pudesse impedir o adiamento no divino amor. Todos os seus sentidos estavam igualmente de acordo com seu bendito espírito na tendência para Deus. Por isso, desvencilhada de todo impedimento, voava-lhe a formosa alma para Deus, incessantemente. Amava-o sempre,e cada vez mais crescia em seu amor. É esta a razão por que  Maria diz de si mesma: Eu cresci para o alto como um plátano junto à água ( Eclo 24-19). Planta nobilíssima de Deus, ela cresceu sempre junto a corrente das graças divinas. Também se compara á vinha: Eu, como a vide, lancei flores de um agradável olor( Eclo 24, 23). Fá-lo não só  por ter sido humilde aos olhos do mundo, mas porque era constante seu crescimento em perfeição. Diz um provérbio latino: A vide cresce sem fim. As outras árvores, laranjeira, a amoreira, a pereira, têm uma altura determinada, enquanto a vide cresce continuamente até atingir a altura da árvore  á qual se encosta. Assim também a Santíssima Virgem cresceu incessantemente em perfeição.

Eis o motivo por que, sob o nome de Gregório Taumaturgo, escreveu certo autor. Eu te saúdo, ó Maria, videira que não cessa de crescer. Conservou-se ela unida sempre a Deus, seu único apoio, e por isso pergunta o Espírito Santo nos Cânticos dos Cânticos: Quem é esta que sobe do deserto, inundando delícias, e firmada sobre o seu Amado? (8, 5) . Segundo S. Ambrósio, quer isso dizer:Quem é esta que unida ao Verbo Divino, cresce como a videira apoiada numa grande árvore?

3. Maria foi fiel à graça divina.
Dizem muitos e graves teólogos  que uma alma virtuosa produz um ato de virtude, em intensidade igual ao hábito que possui, cada vez que corresponde às graças atuais que de Deus recebe. Adquire assim, vez por vez, um novo e duplo merecimento que é igual à totalidade de todos os ,méritos adquiridos até então. Esse aumento, dizem eles foi concedido aos anjos durante o tempo de sua provação. Ora, se os anjos possuíam semelhante graça, quem ousará sonegá-la á Divina Mãe, enquanto viveu na terra, principalmente no mencionado tempo de existência no ventre materno, no qual foi certamente mais fiel que os anjos, em correspondente graça? Durante ele duplicou a cada momento aquela graça sublime que possuía desde o começo. Pois, correspondendo-lhe com todas as forças e perfeitamente , duplicava por conseguinte, seus méritos a cada ato  que fazia, em todo instante. Só por aí podemos avaliar que tesouros de graça, de merecimentos e  de santidade, trouxe Maria ao mundo, quando nasceu.

Santo Afonso Maria de Ligório

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