Maria falando ao Coração das Donzelas por Abade A. Bayle, 1917
I. Tu, Minha filha, tens considerado até ao presente as
dores do Meu divino Filho, mas não deixes de lançar um olhar para aquelas que
Eu tive de sofrer nesses terríveis momentos. Só uma mãe pode apreciar a
grandeza delas e dizer se não eram infinitamente cruéis. Era Mãe desse Filho
que, concebido pela operação do Espírito Santo, era todo o Meu amor, a Minha
vida, em quem tudo era amável, afetuoso, imaculado. O Seu olhar, a Sua
esperança, eram a Minha felicidade.
Era Mãe, e Mãe dum Filho que era Deus, que Se tinha
encarnado em Meu seio virginal para salvar todos os homens da escravidão do
inferno, dum Filho consubstancial ao Pai, que criou juntamente com Ele, que
rege e governa com Ele o mundo inteiro, dum Filho que tinha realizado as
esperanças dos patriarcas e as predições dos profetas. Mas este Filho adorado
pelos anjos, saudado pelos astros, obedecido por todas as coisas visíveis e
invisíveis, devia Eu vê-lO, vítima dos mais afrontosos tormentos e dos mais
vergonhosos ultrajes. Como Ele não tinha querido encarnar-Se em Mim sem o Meu
consentimento também não quis sofrer sem o Meu consentimento a Sua dolorosa paixão.
A Minha hora é chegada, ó Minha Mãe, Me disse Ele: a traição
de Judas, as cordas, as cadeias, os escarros, as bofetadas, a flagelação, a
coroa de espinhos, a cruz, o Calvário, esperam-Me. Devo cumprir a obra da
Redenção. Podes tu imaginar um momento mais terrível! Bem sabia Eu que uma
espada devia atravessar-Me o coração; disse-Me Simeão, quando apresentei no
templo o Meu divino Filho; mas quando vi chegar esse momento, não teria podido
suportar a Minha dor, se a força divina Me não tivesse amparado. Eu, Mãe dum
Filho, vê-lO ser submetido aos mais horríveis tormentos que a barbaridade
humana tinha podido inventar! Quem podia consolar-Me?
II. Não te narrarei quanto o Meu coração foi despedaçado
sabendo e vendo Jesus atado, arrastado por cordas de um tribunal ao outro,
espancado por milhares de vezes, exposto ao povo como objeto: de desprezo, a
cabeça magoada por uma coroa de Espinhos, vestido com um farrapo de púrpura,
uma cana na mão à maneira de cetro, para entregá-lO ao escárnio da populaça!
Não te contarei as Minhas dores quando O vi carregado com a cruz subir ao
Calvário sem que me fosse permitido ajudá-lO. Pára unicamente coMigo aos pés da
cruz.
Muitas mães têm tido seus filhos cruelmente assassinados,
mas não tiveram a dor de assistir ao seu suplício; esta dor suprema estava
reservada para o Meu amor. Jesus devia beber o cálice de amargura, e Eu mesma
bebi dele uma parte.
Houve dois sacrifícios, um do Filho, outro da Mãe. Tive de
assistir a esse terrível espetáculo, ver os membros puríssimos do Meu divino
Filho pregados sobre Cruz. Vi Meu filho sobre a Cruz pedindo socorro a Seu Pai,
que não Lhe dava atenção, e não poder Eu mesma socorrê-lO. Pedia de beber,
queria saciar-Lhe a sede, mas não podia: tinha de vê-lO beber fel e vinagre.
Ah! Minha filha, posso apenas exprimir-te quanto o Meu
coração foi despedaçado nesse momento. Dois altares foram erigidos sobre o
Calvário, e dois sacrifícios de dor foram aí oferecidos: um sobre a Cruz; outro
em Meu coração. Jesus não carecia dos Meus merecimentos para resgatar o mundo;
Eu mesma devia pertencer ao número das remidas, devia ser a primeira. Mas não
tinha sido só o homem a perder o mundo pelo pecado, a mulher tinha tido nisso
grande parte, por isso o Deus Todo-Poderoso quis que não fosse só Jesus o único
a remir o mundo e que unisse os Meus merecimentos aos do Meu Filho, tudo o que
alcançavam os Meus merecimentos de conveniências a tudo o que obtinham os
merecimentos absolutos e perfeitos da Sua paixão e da Sua morte.
III. Mas não acabaram ali as Minhas dores, ó Minha filha.
Todo o ódio e toda a crueldade para os condenados, culpados dos maiores crimes,
acaba logo que morrem. Mesmo eles tornavam-se então objeto duma compaixão
involuntária. Mas ai! não houve piedade alguma para com Meu divino Filho. Tinha
exalado o último suspiro depois de ter pedido a Seu Pai que perdoasse aos Seus
algozes, mas a Sua cólera contra este inocente não estava inteiramente
satisfeita; vem um soldado furioso que envia uma lançada a Jesus rasga-Lhe o
lado e atravessa-Lhe o coração. Fui ainda testemunha dessa ferida, e esse golpe
terrível penetrou no Meu Coração ao mesmo tempo que no Seu; que digo Eu? - toda
a violência da dor recaiu sobre Mim, porque Jesus estava morto. Uma única coisa
podia consolar-Me, era o pensamento de que tudo se cumpriu para salvação do
mundo.
Era para a salvação do mundo que o Meu divino Filho devia
morrer e verter até á ultima gota do Seu sangue. Mas essa consolação trocava-se
em dor, locupletava-a mesmo. Pensava que para muitas almas esse sangue se
derramava em vão que seria para muitos uma causa de condenação mais terrível em
lugar de ser uma causa de salvação.
Ó dor! se tens um coração sensível, Minha filha, compreende
a Minha situação.
Resignei-Me ao desejo do Eterno que Me pedia Meu Filho para
holocausto e vítima de expiação.
Não havia outro meio. Ou o mundo devia ser eternamente
desgraçado ou Jesus devia morrer. - Que a Vossa vontade seja feita, disse Eu ao
Pai celeste e curvei a cabeça diante dos decretos eternos do céu. Assisti à
dolorosa Paixão, vi derramar todo esse sangue que para muitos devia correr
inutilmente conforme o compreendi no Calvário mesmo. Alguns rasgavam o peito e
pediam perdão, outros obstinavam-se na sua cegueira. E Eu, desgraçada Mãe, via o
Meu Filho morto para todos os homens e não os salvando a todos! Ouvia a Sua voz
que dizia: - Salvei-os, tudo está consumado, - e Eu via muitos sem cuidado
algum na Sua redenção. Esta dor, ó Minha querida filha, tortura o Meu coração
mais que todas as dores as mais amargas.
Ora, este desprezo que Me magoou excessivamente, quantos
agora são dele culpados! Quantos por vãos prazeres e para seguir as suas
paixões tornam inútil o sangue vertido para a sua salvação! E tu, Minha filha,
quererás também desprezar um tão grande beneficio! quererás infligir-Me a dor
de te ver eternamente perdida! tem piedade da tua alma e de Mim.
Afetos. Ó minha Mãe das dores, ó Mãe de misericórdia, ó
Maria, tenho aumentado os meus sofrimentos multiplicando os meus pecados. Ao pé
da cruz sentíeis uma dor mais viva pensando que muitos desprezariam esse sangue
que víeis correr com tanta abundância das chagas do Vosso divino Filho. E eu,
ah! bem o compreendo, até ao presente tenho tido a desgraça de ser do número
desses infelizes! Tenho sido até ao presente um desses cruéis algozes que não
tem sentido arrependimento algum pela morte de Jesus.
Mas Vós tendes tocado o meu coração, ó querida Mãe. Um raio
de luz desceu sobre mim. Quero ser do número daqueles que desciam do Calvário
despedaçando o peito e pedindo misericórdia. Tende piedade de mim, Vossa
miserável filha, que tenho ficado tão cruelmente insensível às Vossas dores,
que não tenho feito senão aumentá-las. Ao pé da cruz Vós chorastes por mim
também. Mas de que me serviriam os Vossos choros se ficasse imóvel nos mesmos
desvarios? Sou feliz por ter podido, graças a Vós, conhecer a minha cegueira e
a necessidade que tenho de chorar as minhas culpas e corrigir-me delas!
Chorá-las-ei até ao fim da vida e acautelar-me-ei de cometê-las ainda de
futuro.
Vós tendes-me ensinado a aproveitar-me do beneficio da
redenção, e com o Vosso auxilio, enquanto viver, não mais o desprezarei. Assim seja!
Nenhum comentário:
Postar um comentário